segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Rap pra lavar a alma e tributo a Sabotage

Black Alien no palco do Circo. 
O show de Black Alien no último dia 25/11, no Circo Voador, foi de lavar a alma para os amantes do rap nacional old school. Além do flow simétrico, aliado às letras tão profundas quanto sutis, o Mr. Niterói abrilhantou ainda mais a noite ao levar ao palco uma bela homenagem a Sabotage, ou Maurinho, para os mais íntimos, no show de abertura.

Black Alien parece um cara iluminado, tanto pelas letras simples, humildes e riquíssimas ao mesmo tempo, quanto pela forma serena como canta, que traz uma certa tranquilidade a quem ouve, como se estivesse ouvindo um professor. Dá vontade de apenas escutar o que ele tem a dizer. E tem muito, em todas as letras. O CD mais recente de Gustavo, Babylon By Gus Volume II, No princípio era o verbo, mostra um cara maduro, cheio de ideia boa, recuperado (Black Alien sofreu para se livrar do alcoolismo, para quem não sabe), que sabe o que quer dizer em cada momento.

Black Alien vai na água enquanto sabotinha canta
Sabotinha e Tamires (filhos de Sabotage) no palco
Essa versatilidade me ganhou desde a primeira vez que ouvi o CD. Me viciei em "Terra", que toca direto no meu pendrive, mas várias músicas ali têm potencial, e participações de peso: Edi Rock, Luiz Melodia, Céu, Kamau, entre outros.

Mas vamos ao show: Gustavo entrou no palco por volta das 2h da manhã, mas nem tanto, porque um pouco antes já tinha dado uma bola no show da Família Sabotage, que contou com as ajudas de MR Bomba, DBS e do produtor Tejo Damasceno, além, é claro, dos filhos do Sabotage, Wanderson Sabotinha e Tamires. Os herdeiros do Maestro do Canão cantaram alguns hits do pai no palco do Circo, como Um bom Lugar, Canão Foi Tão Bom e foram ovacionados. No final do show ainda tive a honra de poder chegar e trocar uma ideia com o Sabotinha, um moleque muito tranquilo, humilde, que o tempo todo parecia muito agradecido por tudo que estava vivendo ali.


Um pouco depois, Black Alien entrou no palco, sem muito misancene, e começou a enfileirar músicas do novo disco e hits do consagrado Babylon By Gus volume 1, quando a galera se empolgava mais. Os momentos altos do show foram "Segunda Vinda", "Babylon Bay Gus", "Homem de Família" e "Perícia na Delícia". Gus interagiu bem com o público, contou a história da música "O Estranho Vizinho da Frente", e regeu a plateia como se fosse uma orquestra no refrão de "A segunda vinda".

Uma experiência que também não tem como deixar de falar é a interpretação simultânea das letras do Black Alien na linguagem de sinais. O cara é simplesmente absurdo, e presta um serviço essencial para pessoas com deficiência auditiva. Chega a emocionar o quanto o cara se entrega ali em cada música, a rapidez e a sagacidade para cantar um RAP em linguagem de sinais. Não sei se tinha alguma pessoa com deficiência auditiva no show, mas se tinha, com certeza ela pôde se sentir um pouco mais independente e feliz.

Linguagem de sinais para deficientes auditivos (no canto direito do palco) é um diferencial do show do Black Alien
O título desse post é "Rap pra lavar a alma" porque foi exatamente assim que me senti ao final da apresentação. Por mais que o show tenha tido um momento morno meio grande, em que a maioria não sabia acompanhar as letras, Black Alien soube retomar o comando e fechar com chave de ouro quando cantou o infalível refrão de Contexto, do Planet, para fechar o show, no Bis. Ele disse: "Não poderia sair do Circo sem cantar essa música", e emendou inclusive a rara terceira parte da música, que cabe a ele na versão gravada, mas é pouco executada hoje em dia, porque quase sempre só é cantada por Marcelo D2 e B Negão.

Também por esse momento, Black Alien mostrou com esse show, esse CD e essa turnê, que é hoje um cara sem ressentimentos (pra quem acha que tem alguma treta com D2, ele falou com muito carinho do Marcelo), sem traumas, e muito cabeça boa. Isso reflete nas letras, nas músicas e na vibração leve do show. Que a lírica bereta continue firme e forte.

terça-feira, 19 de abril de 2016

Aula de Música e Consciência

A luz estourou e não dápra ver direito a projeção atrás do Criolo no palco. Foto do meu celular
Foi mais que um show. Foi um ato político. A apresentação do Criolo do dia 9 de abril, no Circo Voador, da turnê de lançamento do single Ainda Há tempo, Cd de 2006 do rapper, serviu para reforçar ainda mais o cunho político de suas letras, e a importância da mensagem do rap ao longo de todos esses anos.

Antes, o show do Marechal, outro professor do rap, já tinha preparado os espíritos, com pedradas como "É a Guerra", "GRIOT", "Viagem" "Sua mina ouve meu Rep" e umas palhinhas do CD novo, que ele disse em tom de brincadeira que estava em casa no computador dele. A espera segue.

O apoio demonstrado às recentes lutas dos estudantes nas escolas do Rio, dos professores da Uerj e das famílias dos jovens mortos pela polícia carioca nos últimos anos não pode passar despercebida.
As próprias letras do Criolo por si só já são um baita soco na cara sobre todos esses assuntos e sobre o momento político atual do país, mas mais do que nunca,  como disse Dan Dan antes de passar o microfone a uma familiar de um desses jovens assassinados, é preciso dar voz à favela.

O próprio Criolo, que não costuma conversar muito com o público além de agradecer, dessa vez conversou bastante. Intercalar músicas do Nó, do Convoque seu Buda e do Ainda Há tempo nas mais de duas horas de show, de certa forma serve também pra mostrar pra galera mais nova a importância do rap na década passada. Muitas letras escritas há 10 anos atrás, casos do Ainda há tempo, encaixam-se perfeitamente no contexto social do país hoje.

O trabalho gráfico projetado no telão logo atrás do Criolo foi um show à parte. Gerou uma interação muito maneira entre público, artista e música. Um momento especial foi a lua cheia centralizada enquanto o Criolo, com um senso de posicionamento de quem provavelmente foi orientado, à frente, cantava Não existe amor em SP, como se fosse apenas uma sombra. E na abertura do show, uma projeção do próprio Criolo, transformado em desenho animado, correndo. Tudo muito bem ensaiado, o que comprova mais uma vez que Criolo está cada vez mais profissional e atento a esses detalhes visuais que enriquecem uma apresentação, como muitos grandes artistas fazem pelo mundo, mas ainda poucos no Brasil sabem de fato fazer.


O setlist, mais ou menos (posso ter esquecido de algumas)
O que teve do Ainda Há tempo: Roba Cena, Até me emocionei, Tô pra ver, No Sapatinho, Vasilhame
Ainda Há Tempo; Demorô
Do Nó na Orelha: Sucrilhos, Grajauex, Lionman, Não existe amor em SP, Samba Sambei
Do Convoque Seu Buda: Convoque seu Buda; Cóccix Ência, Esquiva da Esgrima, Fio de Prumo;

quinta-feira, 24 de março de 2016

Novas cores para os tons de Cartola

Foto tirada do site oficial da Teresa Cristina, em show no Theatro Net Rio 
Sai a voz masculina, típica de seresta e entra uma voz feminina grave e firme. Teresa Cristina. Para interpretar as músicas de Cartola é necessário um pouco mais do que apenas soltar a voz, pede-se personalidade e profundidade, senão, não convence. E olha que outros artistas têm visitado o repertório do sambista com frequência nos últimos anos, já que ouvir e cantar Cartola virou cult.

No show da última terça-feira, 22 de março, no Teatro da UFF, em Niterói, a sambista carioca, além do seu já reconhecido talento como intérprete, mostrou sensibilidade e sabedoria na escolha do repertório. Sem deixar as clássicas de lado, salpicou algumas canções belíssimas não tão conhecidas do público mais novo de Cartola.

O show é intimista, só voz e violão, que fica a cargo de carlinhos sete cordas, figura conhecida no mundo do samba, que faz participações em shows de outras grandes figuras, como Beth Carvalho. Em suas interações com o público entre as músicas, Ao longo de pouco mais de uma hora de show, Teresa mostra usou bom humor e jogo de cintura para driblar qualquer comentário que parecesse político para não acirrar os ânimos de coxinhas ou petralhas que deveriam estar presentes na plateia aguardando somente o soar do gongo para começar uma batalha. Apesar de a cantora já ter escolhido seu lado nesta briga. "Vamos falar de coisas amenas só. Vai chover, né?" conversou ela com o público, de cima do palco.

                                                          Trecho de As Rosas Não Falam

Desinibida, não hesitou em se entregar à emoção logo no início do show em o mundo é um moinho. Mesmo gripada (o que acredito que ninguém notaria se a própria não avisasse que estava tomando chá de gengibre), segurou muito bem um show em que só se ouvem voz e violão, o que é um desafio e tanto, para alguém acostumado com rodas de samba e bandas mais barulhentes. Em um bom número de vezes, Teresa teve que dosar sua voz para não ultrapassar o tom das músicas, e também para não ficar desproporcional para o tamanho do Teatro da UFF.

                                                                      Minha

Com habilidade, a sambista deu a leveza necessária a músicas bem tristes de Cartola. Em "Tive Sim", por exemplo, Teresa arriscou uma versão ao contrário, na qual a mulher conta para o seu companheiro que teve no passado um outro amor com o qual também era bem feliz. Teresa também se aproveita bem da proximidade física com o público para conversar, usar e abusar dos olhares, caras e bocas durante a interpretação das músicas. A proximidade era tanta que ela chegou a pedir às pessoas da primeira fileira que avisassem caso o batom estivesse borrado e manchado os dentes.

Como não podia deixar de ser, também teve brincadeira com o fato de uma portelense cantar um repertório que exalta tanto a Mangueira. Acima de paixões clubísticas, partidárias e de samba, Teresa já conquistou público e crítica com esse show, e não precisa de mais esses elogios que faço aqui. Mas acontece.


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

A Madrinha do Samba mostra que ainda é preciso ouvi-la

Foto de qualidade ruim porque foi tirada do meu celular. Mas dá pra ver o palco verde e rosa


Chora, não vou ligar. Esse trecho, que virou hit oficial das torcidas dos clubes do Rio de Janeiro e também dos blocos de carnaval pode resumir o alcance e a empatia de Beth Carvalho com o povo, colocada à prova no último dia 30 de janeiro, no palco Vivo Rio. Até mesmo a vendedora de chicletes, amendoins balinhas e doces esqueceu seu objetivo principal ali e se entregou à catarse coletiva causada pelo refrão "Você pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão" e pulou como se não houvesse amanhã. Tenho minhas dúvidas se ela atenderia algum cliente que a abordasse naquele momento tão feliz em que ela, assim como as pessoas que pagaram bem caro para assistir a madrinha do samba, simplesmente curtia e cantava sem medo de ser feliz. Isso é Beth Carvalho.

Agora, sobre o show:

Houve um misto de frustração e apreensão no momento em que Beth Carvalho levou o microfone à boca para começar a cantar "O show tem que continuar", clássico do Fundo de Quintal. A voz dela picotava, as backing vocals e o público ajudava a cantar, enquanto a equipe dos bastidores corria para substituir o maldito microfone. E isso tudo depois de uma série de mensagens mostradas no telão do Vivo Rio, de grandes bambas e artistas para a Madrinha do Samba. A última, de Zeca Pagodinho, dizia: "canta pra gente, Beth!", mas quis o acaso que ela só conseguisse fazer isso de fato quase na metade da primeira música, o que motivou aplausos ainda mais empolgados diante de uma das vozes mais belas e marcantes do samba e da música brasileira.

Ao longo do show, Beth deu alguns recados: Um, genérico, e a meu ver, um pouco conservador demais, quando disse que "Isso é samba, não isso que cantam hoje por aí". Me pareceu uma indireta à nova geração representada principalmente pelo Thiaguinho, que imprimiu um estilo próprio de cantar e é muito copiado por outros vocalistas mais novos. Acho que alimentar essa divisão  um suposto combate entre nova e velha geração (que tem paralelo também em outros estilos musicais), só enfraquece o samba como movimento cultural e popular. Independente do estilo de cantar, ao qual também tenho minhas críticas, samba é samba e todos devem ter seu espaço e seu público Isso não faz mal a ninguém.

O outro recado, este muito bem dado, foi a inclusão de estranhou o quê?, de Moacyr Luz, no reperetório. Antes de cantar, Beth anunciou que a música falava sobre racismo, no que foi devidamente aplaudida. Ao final da música ainda repetiu o refrão à capela junto com a galera. Recado dado. Ao longo do show, a madrinha do samba, chamada assim por ter sido a responsável por popularizar em sua voz vários ícones do samba até então anônimos, enfileirou sucessos de todas as épocas de sua carreira, e em nenhum momento foi abandonada pelo coro uníssono da plateia. Camarão que dorme a onda leva, Folhas Secas, O Mundo é um Moinho, Água de Chuva no Mar, Andanças e outros.



Ainda deu tempo para um empurrãozinho em sua sobrinha Luciana Carvalho, que cantou junto com Beth uma música de Dona Ivone Lara, Tendência, como você pode ver abaixo:


Beth cantou duas músicas de seu cd novo. Ambas com bom potencial para virar sucesso, boas letras e boa pegada. Beth também fez dueto com Álvaro Santos, músico de sua banda em Ainda é tempo pra ser feliz, de Arlindo Cruz e Sombrinha, também muito bem executada. Teve também o bonito momento de homenagem de Beth ao presidente de honra da Mangueira, Nelson Sargento, que estava presente no show e foi aplaudido de pé.

No final, Beth emendou um pout-pourri de sambas e marchinhas, incluindo as consagradas do Cacique de Ramos e Bola Preta. Neste momento, nem os mais idosos presentes no auditório do Vivo Rio se aguentaram sentados e levantaram para pular uma prévia do carnaval, o que rendeu a maravilhosa cena que descrevi no primeiro parágrafo deste texto. Por essas e outras, Beth tem méritos por conseguir sintetizar, desde o início de sua carreira o samba, o gosto popular e a cultura brasileira, sem deixar a humildade, o talento e o bom gosto de lado. Não é qualquer um que é cantado pela Beth, pode acreditar.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

O Brasil em voz e violão

Gil e Caetano na Suiça    (Foto: REUTERS/Denis Balibouse)
Seria leviandade dizer que Caetano Veloso e Gilberto Gil se limitam à MPB. Quem viu qualquer um dos shows da turnês mundial "Dois Amigos, um século de Música" percebe a versatilidade e enorme abrangência do repertório da dupla, e como eles influenciaram cada um dos artistas que surgiram nas últimas décadas. Não que isso seja uma novidade.

O show do último domingo, 18 de outubro, no saudoso Metropolitan (agora Citybank Hall), foi uma pequena mostra do poder e talento dos dois. O próprio show no domingo foi incluído na turnê carioca após o alto volume de procura pros dois outros shows, na sexta e no sábado, que a princípio eram os únicos previstos.

Cheguei no show um pouco atrasado porque achei que o horário era 20h30, mas na verdade o início estava marcado para as 20h. Beleza, perdi cerca de quatro músicas somente, e consegui ver quase tudo das duas horas quase que ininterruptas de voz e violão da melhor qualidade possível de se encontrar nesse país, quiçá no mundo.

Confesso também que já sabia boa parte do script do show, pois já tinha visto no Multishow a exibição de São Paulo, que foi mantida à risca, desde a ordem das músicas (com algumas trocas) até os momentos em que cada um levanta e dança no palco, e as saída ensaiadas antes dos dois Bises. Aliás a sambadinha do Caetano Veloso, com todo o respeito, é meio constrangedora. Nessa idade e com a carreira dele, contudo, acho que vergonha não é mais uma questão para ele

O show é montado na tentativa de equilibrar o repertório ora de um, ora de outro, ora dos dois juntos. Nos momentos dos duetos, a voz de Gil, mais grave, quase sempre ofusca a de Caetano. Mas isso não parece incomodar ninguém. Gil também parece precisar de menos esforço para animar o público e estimular coros uníssonos em seus hits. Aliás, hits não faltam no show, como você pode ver na lista de músicas tocadas no final do post.

Os dois pouco interagem com o público. Talvez porque as letras de suas músicas falem por si. O show tem alguns pontos altos: Super Homem, Esotérico, Não tenho medo da morte, onde Gil só canta e batuca no violão com uma voz rouca, Toda menina baiana, Expresso 2222 e as seis últimas músicas, que fizeram muitas pessoas levantarem de suas mesas e se aglomerar na frente do palco e nas laterais. Pena que a maioria fez isso para filmar ou fotografar melhor com o celular.

As adaptações no repertório foram muito felizes: Fechar com Aquele abraço, As camélias do quilombo do Leblon, anunciada por Caetano como a mais recente composição da dupla


Caetano e Gil cantando "Nossa Gente"

Cada letra e cada melodia remetem a uma época/momento diferente da vida dos dois artistas, e de todos os seus fãs. Desde os festivais de música, aos momentos de exílio na ditadura, ou as exaltações do povo e das riquezas do Brasil, Caetano e Gil não contam nesse show apenas suas histórias musicais, mas também uma parte muito importante da história do Brasil nos últimos 50 anos. E esse mosaico riquíssimo e difícil de ser montado diante de tamanho repertório, dá uma dimensão enorme a esse show, que pode ser o último dos dois em dupla. Sorte de quem viu.
  1. Back in Bahia
  2. Coração vagabundo
  3. Tropicália
  4. Marginália II
  5. É luxo só (João Gilberto cover)
  6. É de manha
  7. As camélias do quilombo do Leblon
  8. Sampa
  9. Terra
  10. Nine Out of Ten
  11. Odeio Você
  12. Tonada de Luna Llena
  13. (Simón Díaz cover)
  14. Eu vim da Bahia
  15. Super Homem (A Canção)
  16. Come prima (Tony Dallara cover)
  17. Esotérico
  18. Tres Palavras
  19. Drão
  20. Não Tenho Medo da Morte
  21. Expresso 2222
  22. Toda menina baiana
  23. São João xangô menino
  24. Nossa gente
  25. Andar com fé
  26. Filhos de Gandhi
  27. Desde que o samba é samba
  28. Domingo no parque
  29. A luz de tieta
  30. Leãozinho
  31. Aquele abraço

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Tá bom, tá uma festa

Criolo à vontade no Circo Voador  Foto: Vinicius Pereira, Jornal do Brasil

Poucos são os artistas hoje no mundo que conseguem, depois de um álbum de grande sucesso, se manter no topo com a mesma qualidade musical, e mostrar evolução. Um deles com certeza é o Criolo, que lançou no final do ano passado o "Convoque seu Buda", álbum seguinte ao aclamado
"Nó na Orelha", que parecia difícil de igualar em relação à qualidade das letras, batidas e musicalidade. Mas Criolo e seu time fizeram a tarefa parecer natural, e até fácil em alguns momentos.

O show do dia 16 de maio no Circo Voador durou as já tradicionais 1h30 dos shows do Criolo (pelo menos todos que fui duraram isso). Talvez uma estratégia para não se esgotar e deixar o público com um gostinho de quero mais. Porque repertório para pelo menos mais meia hora havia, de sobra. Em contrapartida, o rapper intensifica sua emoção em cada estrofe de cada música, para, como dizem os argentinos no futebol, "dejar todo en la cancha".

O evento em si tinha ares de protesto contra a redução da maioridade penal, debate do momento. Apesar do engajamento e de seus posicionamentos claros nas letras, Criolo não fez nenhum discurso no show a respeito do tema, ou sobre qualquer outro assunto que não fosse agradecer o público (Acho que o Criolo é o artista mais humilde que eu conheço). Os momentos de conversa mais divertidos e o único posicionamento aberto ficaram a cargo, como de costume, do DJ Dan Dan.

Criolo, Ganjaman, Dan Dan e banda tiveram a manha de mesclar o repertório do CD novo com as músicas mais estouradas do Nó na Orelha, o que contribuiu para manter a energia do show elevada o tempo todo. Até porque o público já está bastante familiarizado, sabe boa parte das letras e já tem suas músicas preferidas, com destaque para a música que dá título ao CD, Esquiva da Esgrima (as duas que abriram o show, Duas de Cinco, e Cartão de Visita.

Essa última faixa merece atenção especial porque ela mostrou a exata grandeza, perspicácia e senso de oportunidade do Criolo, ao usar uma brincadeira na qual muito malandrão da internet zoou ele a seu favor no final da letra: "A alma flutua leite a criança quer beber /  Lázaro alguém nos ajude a entender". Essa virada de jogo já torna essa música um clássico do rap, pelo menos pra mim. Além das já citadas, o CD traz melodias muito bem trabalhadas por Ganjaman, letras sutis e muita sagacidade nas rimas e temáticas. Abaixo, a abertura empolgante do show.



No show, os refrões das novas funcionam e podem fazer desse um álbum ainda melhor que o "Nó", cujas versões apresentadas foram bem mais próximas das gravações originais, sem as intervenções das versões ao vivo, que em alguns casos, como em Sucrilhos, já estão decoradas de cor pelos fãs que acompanham. Em Grajauex, Lionman, Subirusdoistiozin, as versões também ficaram mais parecidas com as originais do CD, e essa estratégia ajudou a destacar as músicas do álbum novo. Meta alcançada.




quinta-feira, 14 de maio de 2015

Os Blues que esquecemos de apreciar


Foto do show, tirada do Facebook oficial da banda


No dia 25 de abril, um sábado, fui ao show da banda Soulshine Jam Band, no teatro do Cinearte Uff, que promoveu um interessante festival de blues, o Tudo Blues, que deu uma boa oportunidade para várias bandas do gênero da região apresentarem seus trabalhos. O título desse post é mais uma mea culpa deste que vos fala, por ser um completo ignorante no que diz respeito às referências, aos grandes nomes e às ótimas canções apresentadas naquela noite. 

Meu desconhecimento técnico e histórico do gênero me permite avaliar apenas a performance dos músicos da banda individualmente. E confesso que, de início, achei que fosse uma banda gringa, pela ótima pronúncia dos dois vocalistas da banda, Ricardo e Greg Wilson. Ricardo por vezes leva a musicalidade da banda mais para o lado da surf music, com seu visual despojado e a voz rasgada, que lembra o de alguns artistas do estilo, como Donavon Frankenheiter, Ben Harper e Eagle Eye Cherry. Por outro lado, Greg puxa para a música country norte-americana com grande talento, na voz e nos solos de guitarra. O estilo mais low profile de Greg acaba combinando perfeitamente para os dois formarem uma ótima dupla de frente da banda.  

Essa mistura de estilos é um trunfo importante pra banda não deixar a energia cair durante o show, que teve mais ou menos uma hora e meia. Outros talentos individuais também apareceram, como o tecladista, com vários solos, e o baterista, que, na maior vibe Whiplash, chegou até a derrubar um dos microfones que estavam perto, tamanha era a energia e entrega com que batia nos pratos. Um show à parte. 

Ricardo é definitivamente o protagonista da banda. Toca vários isntrumentos e tem uma presença forte de palco, mesmo que tenha ficado apenas sentado. Tocou gaita, trocou várias vezes de violão e abusou do talento vocal. O outro violão e a percussão também são competentes para assinalar a personalidade e estilo da Soulshine. Pelo que vi rapidamente na página deles no Facebook, eles tocam bastante pela região oceânica de Niterói, caso queira prestigiar o som dos caras. Pelo que vi, tá mais do que recomendado, especialmente se for num fim de tarde, depois de curtir uma praia.